Acima, duas fotos tiradas no mesmo local e ângulo com 85 anos de diferença. O Baile do Botafogo em 1930 e o Sarongue de 2015
No início de século XX, os bailes de carnaval à fantasia se proliferaram pela cidade. Em geral eram organizados em clubes atléticos sociais, como Botafogo AC, América, Bangu, Fluminense, e nos teatros. Em 1932, a Prefeitura, em parceria com o Touring do Brasil, inaugurou o primeiro baile oficial da cidade no Theatro Municipal. O Baile permaneceu na agenda da cidade de 1932 a 1975, em 1964 chegou a receber 10 mil foliões. A participação dos artistas formados pela Escola de Belas Artes, na época, localizada exatamente em frente ao Theatro, foi fundamental para o desenvolvimento estético e temático do carnaval. Uma nova escola, formada dentro da cenotecnia do Theatro, revolucionaria, mais tarde, também o desfile de avenida. Rosa Magalhães, Joãozinho Trinta, Fernando Pamplona, Arlindo Rodrigues, entre outros, trabalharam como cenógrafos no Municipal, entre óperas e balés, reinventavam o carnaval.
A história dos bailes de carnaval brasileiro encontra origens na França em meados do séc. XIX, no reinado do Imperador Napoleão III, quando, efetivamente, o baile de máscaras se institucionalizou.
O que o tio Bonaparte tinha de guerreiro, o sobrinho tinha de festeiro.
O Monarca instaurou um verdadeiro regime de festas durante quase duas décadas de reinado, transformando a sociedade europeia da época. O mundo sofria as consequências da revolução industrial. Os grandes salões da corte se abriam pela primeira vez para a burguesia em ascensão. Os bailes de máscaras facilitavam o entrosamento, promovendo casamentos, amizades e negócios entre grupos que acompanhavam o antigo nobre latifundiário e o novo rico comerciante e industrial.
Novos hábitos e costumes surgiram associados à nova dinâmica do capital.
Desse casamento nasceu a indústria do entretenimento. Na virada do século XX, Paris já havia se tornado o cabaré do mundo. Os principais artistas desse período foram seduzidos pela novidade. Surgiram pela primeira vez organizações artísticas ligadas às escolas de belas artes.
Os bailes eram temáticos, mobilizavam os alunos e professores durante meses de preparação da ornamentação; libertários, escandalizaram a sociedade da época, como o Quarto Z Arts, principalmente pelas cenas de nudismo no início do século XX.
A França era o modelo cultural mundial na Belle Époque, a tendência festiva inevitavelmente encontraria o Brasil.
A ligação entre as Escolas de Belas Artes era evidente, muitos membros da Escola do Rio concluíam os estudos na França.
Acima, grupos de foliões do Baile parisiense QUAT'Z'ARTS BAL no início do século XX. Os temas anuais evocavam civilizações míticas, da Babilônia ao império Khemer. O evento foi de 1892 a 1966.
No Brasil, a tendência ganhou novos matizes culturais.
O quadro Baile à Fantasia, de Rodolfo Chambelland, de 1913, onde os personagens dançam Maxixe, indica essa conexão artística. O pintor, que frequentou a Escola Nacional de Belas Artes, foi o vencedor do Salão de 1905, recebendo como prêmio, uma residência artística na Academie Julian de Paris, em 1906.
O Baile, Rodolfo Chambelland, 1913
Somente em 1918, seria efetivamente organizado o primeiro Baile dos Artistas no Rio inspirado no Quat'Z'Arts Bal. Naquela altura, o carnaval já não representava um tema novo para a escola de belas artes carioca, no entanto, a medida que os eventos carnavalescos se proliferavam, a participação frequente dos professores, alunos e ex-alunos na sua produção e criação transformavam o envolvimento da instituição, não só com o carnaval, mas com o importante movimento cultural, ligando samba, antropofagia e identidade nacional, que ocorria nas primeiras décadas do século XX.
A partir dos anos 50 o Baile do Theatro Municipal funcionaria como uma plataforma de experimentação temática e plástica para os artistas ligados à Escola.
Baile dos Artistas, edição de 1921, Revista Fon Fon
O Baile do Municipal era a vedete no gênero no Brasil, chegou a possuir uma agenda de produção semelhante a dos desfiles de escolas de samba, de março a fevereiro. Trabalhava-se praticamente o ano inteiro para um único dia triunfal, “segunda-feira gorda”. O baile era visto como uma das grandes marcas do Rio. Atraía milhares de turistas, fazia parte da agenda de celebridades internacionais.
Carnaval na África, Theatro Municipal, 1958. Pela primeira vez a temática africana ganha atenção nacional no carnaval. O cenógrafo Fernando Pamplona, autor da ousadia, já havia proposto o tema em 1954.
Em 1962, havia cerca de 300 bailes somente na Guanabara.
Os mais famosos eram o Rosa de Ouro, no Hotel Glória; Uma Noite em Bagdá, no Monte Líbano; Vermelho e Preto, no Clube Flamengo, sem falar no baile de gala do Copacabana Palace; no Sírio e Libanês; no Ginástico Português; no Mackensie; no Bangu A.C., cada associação social possuía o seu próprio baile de carnaval. O Baile do Municipal representou o epicentro da cultura de bailes de carnaval que tomou conta de todo o Brasil até a década de 1980.
Na década de 60 havia centenas de bailes somente na Guanabara
Anualmente, organizava-se um concurso para escolher o melhor projeto de decoração para o baile. Burle Marx foi o vencedor do concurso para a decoração do Municipal de 1956 com o tema: Abstracionismo.
Abstracionismo, de Burle Marx, 1956
O Baile, que antecedeu ao golpe militar de 1964 foi considerado o melhor em termos de animação, decoração, público e receita. Um público recorde de cerca de 10 mil pessoas brincaram no salão decorado por Arlindo Rodrigues.
A profunda crise daquele momento se refletiu inversamente no carnaval. O fato histórico confirmou a essência do evento – território de inversão de gêneros, papéis sociais, e valores em geral.
Brasiliana, de Arlindo Rodrigues, 1964
O fim do Baile do Municipal, em 1975, marcou o início da decadência dos tradicionais bailes.
As novas gerações não conheceram a força nuclear do baile de carnaval de salão.